Apelo à Humanidade

  Sinto saudades de escrever. Sinto saudades porque só quando escrevo é que sinto, isto é, só quando escrevo é que sinto pura e verdadeiramente. É por isso que escrevo e talvez seja por isso que parto: preciso de fugir para sentir, para sentir uma espécie de acalmia ou de plenitude.
  Parto e entro na grande cidade, onde os prédios se erguem até ao céu ora em cores desmaiadas e mortas ora revestidos de ferro e de vidro brilhantes. Nesta cidade onde os bairros se desenham por contraste. Uns são belos, salutares, onde a classe média se enfia ao fim de um dia de trabalho, procurando o bem-estar há tanto desejado. Outros estão cheios de cores mortas, tanto nas casas como no chão. Bairros onde só se apinha gente que não tem outro sítio para se apinhar. Bairros ora sujos ora apenas degradados, onde tudo esmorece e a estética citadina procura novos contornos e definições.



  Sinto-me a percorrer estas grandes avenidas, a procurar conforto na zona da marginal, a deleitar-me nos museus onde se apresentam exposições e a alma refloresce, como os girassóis de Van Gogh. Ando como um forasteiro, “tourist”, que até em si é estrangeiro. Sento-me nos jardins onde reina o sossego e a verdura, contemplando o céu azul acinzentado que parece prometer chuva, mas só traz frescura. Penso observar, ao longe, um movimento incessante de carros que é controlado por esta estrutura de ferro, betão e pedra, de configuração arquitetónica futurista que rasga as subtilezas. Percorro galerias à procura de uma nova resposta – talvez seja como buscar novas questões – e não há nada. Vejo, mas não sei se vale a pena pensar. Talvez aqui não...
  Decido sair dali e entrar na velha baixa, onde a praça se abre para o rio, a estátua resplandece e os edifícios amarelos muram este terreiro. Sento-me a olhar para o rio e sei que tenho de te procurar. Algumas ruas acima, lá estás tu, sempre à espera que alguém se sente e converse contigo. Talvez queiras ouvir o que nunca ninguém te quis dizer, mas a tua sorte é pouca. A calçada negra onde o caos impera leva-me ao lado oposto, onde vejo um épico de outrora, quase a chegar aos céus, por mais pequena que a estátua seja.
  Volto, enfim, à célebre estação para chegar ao meu destino quotidiano. E, depois, vejo-me obrigado a sair e a entrar num outro autocarro que me há de transportar, queira eu ou não. Se a vida se resumisse a cumprir vontades, nunca ninguém estaria triste (ou a vida é uma regra de contrastes?).
  Os campos povoados de pinheiros, abetos, eucaliptos ou apenas de terra lavrada estendem-se até ao fim da minha visão do real. O sol desce até que a minha alma o reflita interiormente. A marcha do autocarro prossegue e eu tenho inexoravelmente de ir…
  Às vezes, acho que os campos nos salvam da tristeza de olhar. Acho que a luz do sol nos traz algo de novo e algo de único. Fazemos as viagens para chegarmos não a um destino, mas a um ideal ou a uma ambição. Fazemo-las para nos sermos ou para encontrarmos um lugar no qual nos sejamos de forma melhor. Seguimos, corremos, andamos e tudo porque há qualquer coisa de que precisamos, que falta, que sei lá! Os sítios são aquilo que aí vivemos e que aí sentimos. São o amor, o desespero, os gritos roucos na noite, o entusiasmo ou a tristeza. São a paz. Mas são, essencialmente, a humanidade. Toda ela. 


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