Mensagens

  Eu quero minha alma sondar   Mergulhar nas ondas desse mar,    Tenebroso elemento e só,    Do qual se deve ter dó.    Almejo da psique o saber,    Perceber os meandros do ser   De onde o constante pensar vem,    Como ele sempre vai mais além.    Será possível uma resposta?    Ou não alcançamos a dura encosta?    Eterna busca, a minha.    Como descobrir o segredo?!    Mas sigo com força, sem medo:    Somos um cristal por descobrir...

Poema

Deixo que a claridade me cegue.  Não adianta lutar contra ela, berrar, revoltar-me,  Assim é, assim a aceito.  Maio chegou e, com ele, uma claridade feroz Uma claridade que nos atinge a nós. Todos.  Todos a recebem, todos são encadeados por ela  Não adianta escaparmos como uma ferida gazela...  O branco queirosiano das casas refulgentes,  A seiva bruta das plantas,  O cheiro do campo e do dourado Sol,  A minha cabeça e os meus olhos tão cansados quanto fascinados.  Amo esta luz que me fere.  Talvez a ame por minha não ser,  Por ter de a aceitar.  Aceito-a como aceito o absurdo do mundo:  às vezes esperneio contra ele, mas  não adianta.  Hoje o dia é de sol,  Talvez a chuva venha aí um dia destes...  Talvez...  Perco-me nestas conversas dubitativas de uma época dubitativa.  Amanhã hei de acordar (porventura)  E ver o dia que se ergue contra a minha insignificância  E hei de o aceitar, nem que seja à força porque assim se nos mostra o mundo...  Se houve

Adeus

Imagem
Passear nas minhas ruínas   Quando vivia em Rouen, costumava ir, aos domingos, ao "Jardin des Plantes". Talvez não fosse todos os domingos, mas ia lá muitas vezes quando o tédio domingueiro se apoderava de mim e o ar fresco era o único bálsamo disponível. Mentiria se dissesse que é o mais belo parque que vi em toda a minha vida, mas era agradável. Era agradável sobretudo porque eu estava lá, naquela bela cidade que me acolheu. Uma cidade bonita, com cores medievais e oitocentistas, ainda que o seu clima nem sempre me fizesse sorrir.    Tenho saudades desses domingos em que o tédio me inspirava sentimentos ora de tristeza ora de solidão. Como é possível sentir falta de algo assim? Creio que sinto falta do que esses momentos representam porque eles me representam. Representam uma parte de mim que ficará para sempre em França. Mesmo que um dia volte a passar por lá - assim o espero! -, as coisas não serão idênticas. Eu já não serei o mesmo e aquilo que Rouen tiver gu

Textos da quarentena 14

Imagem
Amanhã é um novo dia   A minha quarentena chegou ao fim. Chegou ao fim de uma maneira estranha, uma vez que deixei de estar trancado no meu quarto para poder apenas deslocar-me para as outras divisões da casa, nas quais passava anteriormente menos tempo – ou quase nenhum, para ser sincero. A chuva cai lá fora e sinto-me vagamente nervoso, triste, esquisito. Entediado? Não creio. Talvez perdido nos meandros frios da minha mente.   Passei dias a fio quase sempre dentro do meu quarto. Não me posso queixar. Tenho um quintal, por isso, pude apanhar ar algumas vezes. Estudei Italiano. Voltei a pegar nos meus livros de Latim e descobri que tinha saudades do desafio mental que é estudar a língua em que escreveu Séneca. Li Proust. Fui à Internet. Entretive-me como pude e, até certo ponto, correu bem. Gostei da solidão, gostei da companhia dos livros. Talvez precisasse da solidão depois de dias de ansiedade infindável num país estrangeiro. Talvez precisasse de me fechar dentro do meu qu

Textos da quarentena 13

Sonata a duas mãos     Não estou num bom dia para leituras. Está chuva lá fora, está frio cá dentro, cá bem no fundo. Não há aquecedores que me salvem. Não me salva o Frédéric Moreau do Flaubert, nem o Cláudio do Vergílio Ferreira. Estava tão bem na paz da manhã, a saborear o tempo cinzento, a beber imagens esplendorosas, a ler umas páginas, a desfrutar do tempo – ou a perdê-lo, depende.   Agora estou sem paciência, não sei. Há momentos assim. A música acaricia-me suavemente, um pouco, bastante. Salva-me um pouco das nevroses, do tédio, de tudo. Efemeramente. Refugio-me na minha cabeça, nos dias bons, nos dias menos bons, em chávenas de chá quentes que não me aquecem a alma, talvez apenas o corpo.   O dia está solarengo. Vem uma brisa fria, mas não me incomodo. Saio de casa, vestido com um longo casaco e um cachecol azulado, com um pouco de castanho. Não gosto de castanho, mas este castanho é claro, doce, fica bem naquele mar de azul-noite. Faço o meu caminho – qual caminh

Textos da quarentena 12

Imagem
O Domínio da Língua Materna   Hesitei antes de escrever este texto, mas aqui vai ele! O tema de hoje é o do domínio da língua materna. Evidentemente, irei falar sobre o domínio do Português, que é a minha língua materna e também a língua materna de uma boa parte daqueles que leem os meus textos. Trata-se de uma reflexão fundamentada por experiências que tive e por observações que fui fazendo ao longo do tempo.    Sou formado na área das Línguas e Literaturas (Português/Francês) e talvez isso também influencie a forma como vejo o uso da língua materna. Ainda assim, acredito que dominar convenientemente o Português é um trunfo não só profissional, mas também psíquico.    Atualmente, muitos professores de Português sentem dificuldades em chamar a atenção dos alunos e em incutir-lhes o gosto da leitura, da escrita e da gramática. Será culpa das novas tecnologias que afastam os alunos da leitura tradicional? Será culpa de raciocínios básicos como "eu já falo esta líng

Textos da quarentena 11

Imagem
Tributo a Cesário Verde e a Álvaro de Campos     Acordo na doçura da manhã que me abraça e sinto-me em paz. Talvez seja uma paz momentânea. É realmente uma paz momentânea, pois dura apenas uns minutos enquanto a inconsciência consciente toma conta de mim.   De repente, desperto-me. Desperto-me e estou ao pé da estação de comboios, de onde contemplo o céu esbranquiçado, amarelado e frio que, de certa forma, me encanta. Olho para as infraestruturas que fazem parte da estação: contemplo os pilares, as linhas do caminho de ferro, os bancos, os televisores, os carris e os comboios que partem continuamente da estação, enquanto eu fico à espera.    A cor cinzentona e sórdida destes objetos, ou o branco já conspurcado que os envolve, não é bela e, no entanto, não me dói. Não me custa nada, pois que são símbolo da civilização moderna e dispersa, que se oculta atrás de mecanismos refulgentes, úteis e eficientes.   O comboio não se decide a chegar, mas eu decido-me a mirar os rostos